21.4.07

Fidelitate

A palavra fidelidade têm a sua origem etimológica numa palavra do latim, fidelitate.
A fidelidade é muitas vezes ligada essencialmente aos compromissos matrimoniais e religiosos. Mas será só aí que esta fidelidade se aplica? Que virtude afinal é esta?

Na realidade, a fidelidade é considerada a virtude da memória. A memória é algo inerente ao Homem. Tudo quanto se cria supõe a existência de memória. Segundo o que afirma André Comte-Sponville “(...) existe o espírito, existe a memória (...) O espírito é memória, e talvez não mais do que memória”. Efectivamente, o Homem é um ser que pensa, e para pensar necessita de recordar pensamentos anteriores, pensamentos que advém do seu passado, que recorda, assim, no presente, pois o presente, neste contexto, não é mais do que o resultado do passado e daquilo que este nos deixa de herança no nosso espírito e citando Santo Agostinho é “o presente do passado”, que na minha interpretação pessoal entendo isto no sentido em que é no espírito, e devido á memória, que o passado é recordado no presente.

É a herança que o passado nos deixa e que recordamos no presente pela memória que nos permite inovar e criar e é ela que permite a fidelidade. A fidelidade é então uma virtude que se destaca das outras isto porque ela é a razão pela qual existem também as outras virtudes e os demais valores. Por exemplo, como poderia haver justiça se os justos não fossem fiés a essa virtude? Se não a tivessem presentes na sua memória? E haveria liberdade se não houvesse quem procurasse ser fiel a esse propósito? Só podemos possuir os valores e virtudes aos quais procuramos ser fiéis, pois os retemos na nossa memória.

Contudo, isto faz com que se coloque outra questão: ao que somos fiéis? O que define e confere o verdadeiro sentido ao que somos fiéis é o próprio objecto digno da nossa fidelidade. Aquilo a que escolhemos ser fiéis depende da importância, do sentido e do valor que lhe damos.

Há que salientar um aspecto importante relativo ao facto da fidelidade ser a virtude da memória. É sabido que existe memória e inerente a ela existe o esquecimento. O esquecimento é algo inato ao homem e que inclusivé o permite manter a sanidade e é pelo esquecimento daquilo que não nos é relevante que podemos estar continuamente a memorizar. Onde pretendo chegar é ao facto de que o esquecimento não implica que se venha a ser infiel, pois também a infidelidade supõe a existência de memória, visto que só se pode tanto ser fiel como infiel àquilo de que nos recordamos.

Todos os sujeitos são fiéis a si mesmo, porque o confessam ser e porque se propuseram a sê-lo e por ser essa a sua vontade...fidelidade à identidade...

É nesta altura, como consequência do que tenho vindo a expôr, que eu acho pertinente referir a responsabilidade como algo abrangido pela fidelidade. A responsabilidade define-se como sendo a obrigação de responder pelos nossos actos e a obrigação em assumir aquilo que aceitamos como missão....aquilo que nos foi confiado...sendo que para podermos ser responsáveis, quer seja pelos nossos actos ou pelos alheios, quer seja para cumprir com as nossas obrigações e deveres, é necessário lembrarmo-nos, então, das responsabilidades que aceitamos tomar a nosso cargo e, desta forma, como é essencial a memória, ao procurarmos ser responsáveis estamos a procurar ser fiéis para com os outros e também para connosco, para com aquilo a que nos comprometemos, para as acções que decidimos voluntariamente tomar sendo esta a minha opinião...

De qualquer das formas...porque não reflectir mais um pouco?...

__________________
Baseado, retirado e/ou citado no Pequeno Tratado das Grandes Virtudes de André Comte-Sponville
JM

3 comentários:

RP disse...

Depois diz q eu n tenho razão se não vais ser uma professora coordenadora de uma área displinar! :P

Divagações...! disse...

Gostei especialmente do esquecimento como mecanismo de defesa! Concordo totalmente, é realmente um mecanismo que nos permite "mandar" fora tudo aquili que não nos interessa...

Discordo num ponto: Quando se diz que somos fiéis a nós mesmos... Será sempre assim? Será que por vezes não fazemos coisas que não quariamos fazer e que, à partida, saberiamos que não o faríamos?

^^

Jane disse...

O ser fiel a nós próprios...é na questão da identidade...da personalidade que afirmas como sendo a tua...

A questão das acções... é complicado...porque mesmo que sejas fiel a uma identidade isso não implica que ela seja imutável...tu podes vivenciar experiências que te fazem reformular os teus ideias e valores e conscientemente (talvez nem sempre) mudas e fazes coisas que achavas que não farias...enfim...dá que pensar!